23 abril, 2008

Pois...

Depois de acidentalmente ter ouvido os comentários da senhora ministra após a tomada de posse de um comissão para a avaliação, não pudemos deixar de, instintivamente, esfregar os olhos, tentando perceber se tais ditos nos vinham de uma dimensão intermédia entre o sono e a realidade, sabendo que se plenamente do sonho tal origem não trariam mal algum ao mundo. Mas não, era verdade, e falava como se nesse momento entrasse triunfalmente em Roma. Depois de ter assinado um memorando de entendimento onde recuou em toda a linha, por mais que o negue -- entendimento onde se nota claramente a intervenção salvífica dos notáveis do partido, incluindo o Primeiro-Ministro, e onde se cumpriu o “dictatum” que António Vitorino tempos antes fizera na RTP --, vinha agora repetir pela enésima vez um discurso cansado e estafado na tomada de posse de um órgão que não foi capaz de criar e por a funcionar em tempo útil. Temos que concordar que não bate certo que um órgão que pede tempo -- esse tempo que os professores sempre pediram, lembram! --para trabalhar e que "tem todo o tempo do Mundo" como diz a ministra e que devia coordenar um processo de avaliação que ela queria em pleno desde o 2º período lectivo…

Já não incomoda o discurso, nem a incoerência ou os favores que os amigos jornalistas lhe fazem para recompor a imagem de inovação e rigor com que iniciou o seu consulado. Incomoda a persistência com que nos agride a memória e a cansada inteligência, fazendo crer que à força de um discurso mil vezes repetido a realidade se transmuta ao seu gosto e as inteligências de todos se congregam em redor e em obediência à sua.

Assinar o memorando não é, de facto, nenhum recuo, mas tão só confessar a falência do seu projecto e a fraqueza política das suas intenções. Basta ver que a avaliação dos professores este ano nem chega aos calcanhares, em rigor e exigência, ao processo de avaliação que a senhora ministra diz … que não havia! O decreto que está para sair devia, em rigor, ser o último documento com a sua chancela, já que deixa para a posteridade a prova de que uma iluminação do momento… nada pode contra o absurdo e absoluto desconhecimento da dura realidade. Sem dúvida, desconhecimento dos reais bloqueios e resistências às mudanças, mas também desconhecimento das energias vitais sem as quais nenhum reforma se implementa e sustenta. Até nisso falhou: identificou os inimigos da reforma onde eles não estavam, e não percebeu que é ela própria a inimiga das reformas que quer implementar: perdeu a confiança dos “reformados” pela falta de consideração por eles de que se pavoneou, e pela falta de qualidade dos projectos que elaborou. Além disso, pelo excessivo peso que colocou nos ambientes externos à escola arvorou-se na campeã do facilitismo que combate, como se a filosofia da escola se deva subjugar ou limitar pelos problemas e limites que estruturalmente está vocacionada para superar e quebrar.

De medidas em medidas, de discurso em discurso se arrasta uma governante, ferida na sua autoridade e credibilidade. Sim, porque havendo os professores encertado as negociações, não irão parar enquanto não virem discutida todos os pontos de uma agenda: é pública, clara e não oculta!

Claro que por agora tudo acalmará, mas não deixará de ir em crescendo até 2009, e nem o reiterado apoio que a ministra aí diz ter livrará o governo desse espinho cravado no corpo. Naturalmente que só ela acredita nesse apoio incondicional por não saber ler os sinais que a cercam, mas a verdade é que o desinteresse do Primeiro-Ministro pela educação, a falta de sentido crítico e de percepção por parte do governo do fraco ou nulo alcance de algumas medidas que com pompa reputam de salvíficas da educação, deixam uma imagem desse sector como coutada ou recreio da senhora ministra…

Naturalmente que já ninguém pede a substituição da senhora ministra, mas incomoda saber que o Primeiro-Ministro não saiba a razão disso.