Montalegre, Largo do Gato, 2007
Estamos fartos de patos bravos! De políticos que se dizem engenheiros e o não são e mais ainda da centralidade e importância parola que a esse facto se atribui; de engenheiros que usurpam as funções dos políticos sem exibirem as credenciais desse poder; de jornalistas que se arrogam ao direito ao palpite sem cuidarem de revestir o que dizem com a capa da equidistância ou o rigor que justifica a sua função. Claro que não nos afirmamos defensores intransigentes de um fundacionismo da opinião na competência, no rigor e verdade tudo junto. O perfil retórico e opinativo da democracia exige essa liberdade de expressão e a aferição da consistência do dito não numa suposta autoridade censória mas no fluxo crítico de opiniões que hão-se ser validadas pelo juízo de quem a elas adere. Também é verdade que na origem da nossa matriz intelectual a opinião tem a suspeição inscrita na sua própria génese, porque impossível de escrutinar os fundamentos subjectivos da sua formulação, e sobre o remédio que a redime, a explicação ou justificação, não há até agora qualquer acordo sobre as marcas que tal remédio deve exibir, mas tal facto não deve afastar de vez a necessidade de acompanhar a opinião ou o palpite com algum conteúdo empírico, com alguma pretensão de verdade.
As medidas de simplificação administrativa anunciadas e ligadas ao licenciamento, e o corropio de opiniões que lhe sucedem, deixam-nos essa sensção de que de patos bravos para cima ou para baixo ninguém existe...
Em boa verdade, parece-nos, grande parte das intenções anunciadas não são, de facto, e repetimos "parece-nos", grandes novidades, já que elas estão já presentes nos procedimentos instituídos como correctos e legais para a execução desse processo. A co-responsabilização dos técnicos no processo de licenciamento de obras particulares e na execução e acompanhamento das respectivas obras é já hoje uma realidade que não radica em qualquer liberdade interpretativa dos normativos legais. Naturalmente, os perigos de relaxe existem, mas não podem nem devem ser assacadas exclusivamente a uma das partes. Se «as ligações perigosas do poder local», como é useiro dizer-se, ameaçam a integridade do território, a qualidade da democracia e os valores colectivos, não é menos verdade que isso só é possível por igual, se não maior, dose de relaxe da parte de quem tem o dever de aferir e validar as qualidades técnicas daqueles a quem a lei chama a cumprir um papel determinante nesta matéria -- a acusação pública e as instituições a quem o Estado delega a responsabilidade de reconhecer competências técnicas e aferir deontologicamente a acção desses agentes. A democracia é virtuosa na geração de contra-poderes que mutuamente se controlem, parecendo displicente, chamando «patos bravos» a todos nós por não acedemos ao brilhantismo das suas análises, fazer vencer o equilíbrio de todo o sistema insistindo apenas na plena responsabilização de uma das partes -- responsabilidades que não lhe retiramos bem como a todas as críticas feitas ou a fazer!
Já quanto aos PDM's a novidade parece ser maior e pode haver a tentação ou a tendência a interpretar simplificação administrativa com laxismo. Há dias, o presidente da API referia que o processo de licenciamento era uma das componentes fundamentais para a atracção de investimento... Falamos de riqueza, emprego! As vozes de quem protesta com plena justeza contra um certo «burocratismo» da administração pública que se justifica a si mesma pelos entraves e dificuldades que cria ao cidadão e ao investidor, não podem, porém, coincidir com as mesmas que criticam, tantas vezes por defeito ou tendência, as medidas por que tanto clamaram.
A solução é, a nosso ver, política e não técnica.
Política pela implicação programática que as as medidas de ordenamento do território devem ter nos projectos das autarquias e não do governo que não erra ao tentar simplificar-nos a vida.
Políticas pela responsabilização do cidadão que não seja capaz de validar e reconhecer com o seu voto o mérito daqueles programas que se orientam para a superação desses entraves ao desenvolvimento que é sempre a acção orientada por interesses não escrutinados, pela acção adversa ao planeamento, pela vontade de resolver este problemas agora na certeza de que os que agora se geram com estas medidas serão resolvidos por outros...
Política pela denúncia da omissão ou da acção nefasta de quem assumindo responsabilidades não cumpre aquilo que se compromete...
A desordem, este estado de «patobravismo», radica não só nas ligações perigosas de que tanto se fala, mas na falta de formação e de cultura administrativa de grande parte da administração, mas também no défice de implicação ética do cidadão e das instituições na causa pública e na desgraça em que caiu o chamado «bem comum».
Não é a liberdade concedida às alterações aos PDM que nos deve preocupar, mas a ausência de planeamento intermédio. E não falamos apenas de Regionalização, mas na necessidade de instituir instrumentos de planeamento intermédio que concretizem a uma escala menor as medidas do PDM, o único meio de limitar ou anular qualquer liberdade interpretativa aos PDM.
É através de instrumentos de planeamento rigorosos e exigentes, à escala do lugar, da rua, do pequeno espaço, que se preservam valores patrimoniais -- históricos e naturais --, que se controlam as ânsias especulativas do lucro fácil e o apetite de grandezas de uns quantos. Chamar a este país o «paraíso dos patos bravos» não passará de flatus vocis, maravilhosamente escrito, mas ineficaz, por não apelar à acção, mas antes à gestação lente do descrédito e do comprazimento romântico e parvo na desgraça e na inacção.
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