As medidas que estão contidas no programa de desburocratização acima referido, nem todas são pacíficas, nem todas se devem submeter a uma pura lógica de simplificação administrativa. A burocracia, entendo eu, só é penalizante para o cidadão quando serve apenas para legitimar ou revelar hierarquias (e preservar tachos!) e remete impreterivelmente para um funcionário que se julga a si mesmo com o poder discricionário que não tem. Na sua essência a burocracia serve para garantir perante a Lei a fruição plena dos direitos e a assunção, por princípio ou forçada, dos deveres que cada um tem perante si, os outros e o Futuro. Nada disto é possível sem uma tramitação processual que permita a avaliação e a decisão sobre a petição.
A facilidade prevista no programa, nas páginas 22 e 56,.
«M231 – Facilitar acções e actividades essenciais ao desenvolvimento das populações residentes em áreas de Reserva Ecológica Nacional, designadamente a construção de instalações de apoio às explorações agrícolas e de turismo rural, com salvaguarda dos valores ecológicos protegidos, procurando articular e harmonizar o equilíbrio ecológico e com o desenvolvimento das populações nas áreas de Reserva Ecológica Nacional.»
pode ser uma daquelas em que a emenda pode sair pior que o soneto. Pode, repito, porque inevitavelmente tal medida, ao ser concretizada, deve ser acompanhada de um referencial interpretativo e as respectivas normas de acção. De outra forma podemos cair na ideia do facilitismo com que um bem público – a Reserva Ecológica Nacional – poderá ser imediatamente delapidado ao sabor de percalços, circunstâncias várias, incluindo o desleixo e o laxismo interpretativo. Esta medida, independentemente do enquadramento que sofrer, terá na autarquia a oportunidade de levar esta a assumir-se plenamente como ‘autarquia’ na medida em que lhe caberá defender esse bem imediatamente associada à qualidade de vida e de sustentabilidade dos cidadãos.
Esta norma não pode pois, penso eu, ficar à mercê do juízo de qualquer um que a seu bel prazer ou (des)gosto decida. Lembro uma cena a que assisti na qual alguém, para considerar refinadíssimo sacana alguém que exigira que se cumprisse a lei que o protege, decidira dizer (não ali mesmo) e ali mesmo disse que a norma aplicável ao caso não tinha razão de ser porque soube, porque alguém lho dissera, informado esse outro por um outro alguém em determinado sítio, a quem ainda um outro informara esse outro alguém que em determinada repartição alguém (que não esse outro que …) pensava que se devia alterar a lei e que esse sugestão/proposta de alguém ou alguns iria ser feita a quem de direito para ser levada a quem de ‘mais direito’ ainda e a aprovasse. Imaginem uma norma assim nas mãos e nos interesses de uma mente com o brilhantismo desta que assim argumentava perante uma Lei Estabelecida!
Aguardemos, pois, com atenção, estas e outras intenções. Esta, porém, tem uma ressalva, uma cautela. Na página 71 do programa refere:
M235 – Rever, harmonizar e consolidar o Regime Jurídico da Reserva Ecológica Nacional (REN), no sentido de actualizar os conceitos e aperfeiçoar os critérios técnicos.»
É de ficar atento e esta última intenção (esta, porém, só peca por tardia e não é inovação nenhuma em face da urgência que havia de redefinir este regime no sentido de acautelar e blindar o que é valioso e libertar dessa ‘tirania’ aquilo que não tem qualquer valor).
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