Ao folhear a publicação de F. Calvão, “Notas sobre o Barroso
dos Séculos X-XIV”, surgiram de imediato três tipos de considerações.
Naturalmente que antes dessas uma outra impõe o reconhecimento do seu impacte
nos pensadores da região. Impacte, acima de tudo, contra um certo conformismo
que se instalara na intelectualidade local em torno desta temática e que deste
modo se vê forçada ao abandono, ainda que por pouco tempo, do seu “sono
dogmático”.
Num primeiro plano, considerações quanto à forma do livro e
que podem sustentar as outras considerações. Se tomarmos como referência tese
de que parte, verificamos pouca atenção prestada à exposição clara dos
argumentos, resultando um livro com um elenco de proposições sobre temas
diversos sem que o leitor compreenda as transversões que aparecem no
seu desenrolar. Percebeu o autor, certamente, mas podem não ser percetíveis ao leitor os
atalhos, por exemplo, pela história de Rodrigo, último rei do Visigodos, por
não perceber a sua relevância na economia da tese: a origem antroponímica do
nome da região. Da mesma forma, não se percebe a reposição das cartas abertas,
prosa que fora antecipada em publicação no Povo de Barroso e que agora se
retomam com dúbia justificação.
Não sendo clara a sua articulação lógica com a defesa do seu
ponto de vista, até porque na forma como aparecem redigidas são mais as zonas
de escuridão do que o esclarecimento que prestam, mais parece fazer sentido a inserção
das cartas abertas num quadro de disputa pessoal do que do debate argumentado e
razoável. Não se percebe o papel que tem na discussão a reposição integral (e o espaço que ocupa no livro),
marcada por alguma crispação, de textos que sobre o que está em discussão
carrega muito pouco informação. A não ser que esteja presente na intenção de
quem as incluiu o desejo de primeiramente fazer uma desqualificação do seu
opositor, forma velada de ataque ad
hominem, para, depois, fazer brilhar sobre essa miséria o seu ponto de
vista.
A terceira consideração é de ordem epistemológica, um
conjunto de notas que questionam o direito que o autor tem sobre as suas
crenças. Não nos referimos ao direito de ter uma opinião, mas sobre a
justificação que apresenta para a tese antroponímica do topónimo Barroso. Em
primeiro lugar, como se referiu, o carácter pouco arrumado do texto não facilita
a leitura, confunde, e num texto curto com uma tese simples acabamos
enfastiados pela lateralidade de muito do seu conteúdo e pelas vias que se
abrem e não têm saída; depois, os saltos lógicos com que frequentemente se depara no texto quem quer urdir com rigor um pensamento consistente sobre o assunto.
De facto, a conjetura de que parte é deveras arriscada, é útil
pelo potencial explicativo que em si contém, mas a verdade é que não é suficientemente
robusta do ponto de vista empírico, ficando, parece-nos, muito próxima de uma
mera opinião, quando não de um simples palpite. Não queremos com isto dizer que
é falsa a tese que nos propõe, apenas que não há ou não soube colocar no texto
os factos que a sustentam. A "verdade" não é nunca o acesso da mente a uma realidade que se encontra no término de um processo trabalhoso de exegese ou de ascese. Resulta da confluência das mentes sobre o conteúdo que se coloca à consideração dos pensantes e que deles receba a sua concordância limitada e provisória sempre sob ameaça de revogação. É o poder da palavra, a qualidade do discurso e o respeito pelos significados plurais que entra na interpretação dos dados que constituem os factos que nos esforçamos por dar a conhecer aos outros e podem significar ou ressignificar os contextos em que nos movemos.
Sem comentários:
Enviar um comentário