Não é difícil para ninguém ter uma ideia segura sobre a encruzilhada em que meteram o país. Estamos, como soe dizer-se por terras brasís, "no mato sem cachorro!". Pouco patriótico era quem, ante a receita que aviara para a cura, concluísse que com ela definitivamente lhe tirariam a tosse. Era bom de ver que ante a dureza do plano não restava grande hipótese de o cumprir se o que se exigia ía muito para lá da capacidade de resposta. Um retraimento da economia que não dava qualquer folga para poupança -- a incapacidade de haver um mísero "superavit" para lá dos custos da penosa promessa de cura -- não podia garantir a recuperação do quer quer ou de quem quer que fosse e não autorizaria ninguém de bom senso a antever uma coisa diferente do que se constata.
Muitos foram os que verberaram o pior de quem duvidava, muitos mais ainda fizeram coro e deram corpo à chacota contra aquele que, numa prova de alguma consciência política e cívica e afirmação de no mínimo duas gramas de encéfalo, ousasse duvidar da receita e, ainda que titubeando, arriscasse a hipótese de que havia alternativa. A fé inabalável num Messias que injetaram de um blindado gabinete num outro governamental e a purga sacrificial à socrática figura compuseram um clima de festa e de celebração...
Vendo, lendo e ouvindo o que por aí vai, constata-se, ante insuspeita figura pela evidente parcialidade da sua posição, que o que os mais cépticos previam afinal não é o produto de um congénito mau querer, mas o resultado da mais avisada posição, fruto da mais objetiva ponderação. A metáfora da "cinza" (longe já do quaresmal contexto) parece ser o resultado inexorável do mais obtuso pensamento político e da credulidade infantil nos mais abstractos modelos de compreensão da realidade económica. Até nos próprios autores da receita se constata que algo não bate certo, que afinal, diz Lagarde, sim, a do FMI, "a politica de austeridade não precisa de ser adoptada de forma severa e toda de uma vez no início do período de ajustamento. Acreditamos que é uma questão de ritmo. [As reformas] não têm de ser feitas de forma brutal ou abrupta e de forma massiva” no início do programa de ajustamento". Sem comentários porque redundantes!
De quem é a culpa por este estado de coisa no mundo?
Também dos socialistas, pois claro, não tanto pelas opções do passado, mas pelas ações e omissões do presente que não deixam grandes perspetivas de futuro. Hesitando entre a assunção do passado e a afirmação de uma ruptura com ele, manifesta-se uma liderança fraca e uma ação errática, ao que se junta a omissão daqueles que em melhores condições estariam para compor uma alternativa. Mas nada disso acontece, e aos portugueses parece não restar outra alternativa que não seja aprofundamento do pessimismo e o combate corajoso à crescente descrença na democracia.
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