13 fevereiro, 2007

A BATATA

Vicent Van Gogh -- «Comedores de batatas»
(1885)


«Há alguns séculos atrás, um biólogo chamado Parmentier, trouxe para a Europa um curioso e feio tubérculo procedente das colónias americanas. Tratava-se da batata, que teve um desembarque difícil na Europa.

Pelos vistos, o clero considerava que, como alimento do solo, era património da despensa do diabo. Contam os cronistas da época – e se não é certo é uma boa explicação – que o malvado do Parmentier, convencido da eficácia nutricional da batata para dietas precárias, decidiu alargar o seu cultivo pelos campos europeus.
E, para vencer a resistência mística dos camponeses, reclamou do rei a cumplicidade num curioso ardil: plantou os tubérculos em campos apropriados, rodeou-os de cercas e fê-los proteger pelos soldados da guarda real.
Os camponeses, com a sua sabedoria ancestral, consideraram que um campo protegido pelos militares, devia conter algo muito precioso.
Parmentier deu ordens para que os guardas vigiassem os campos semeados de batatas só de dia. De noite, a guarnição abandonava a sua vigilância e deixava os campos desprotegidos. Convencidos da importância daquelas folhas e daqueles tubérculos, que mereciam a vigilância armada, os camponeses todas as noites forçavam as cercas e levavam a hortaliça proibida.
Assim, violando a lei, foi como a batata se tornou num elemento de substância dos europeus. Tanto assim é que no século XIX, a epidemia de míldio deixou a Irlanda sem a sua colheita de batatas e provocou a fome e a emigração do povo para o novo mundo, onde nasceram os Kennedy e os Clinton…
Hoje, a batata volta a estar na actualidade. A humilde e feia batata subiu 21% no seu preço de mercado. A ditosa batata alterou o índice da inflação e continuamos sem saber os motivos da especulação batateira. O que até dá vontade de andar à batatada.
Pelo contrário, a anchova, um peixe que mereceu a atenção da União Europeia e conduziu a uma dolorosa moratória da pesca, sofreu um abaixamento de 7%. A batata, pela primeira vez na história do azeite, converte-se num caríssimo manjar. E, tendo em conta o incremento do azeite, podemos dizer que o mais luxuoso destas festas natalícias não foi o desprezível caviar, o polvo ou o bacalhau, mas um suculento prato de batatas fritas em azeite.
Às vezes, a economia ajuda-nos a reconhecer que o prazer não pode defender-se com uns quantos soldados, mas com um pouco de sal, uns decilitros de azeite e essa pitada de inflação que acaba de converter Parmentier num herói percursor do nosso tempo.
Com toda a franqueza digo que não sou muito amigo das batatas cozidas, mas que as aprecio especialmente pelo Natal. Por falar disso, ontem à noite o meu jantar, como todos os anos naquela noite de Reis, foi um belo prato de batatas cozidas com bacalhau, tradição obriga, e bom azeite a regá-las, como tenho a certeza foi o de milhões de portugueses.
Será que para o próximo ano assim será também? Espero estar vivo para o poder contar.»
Armando da Silva Saraiva
in blog.comunidades.net


Já conhecia esta história sobre a introdução da batata na Europa. Não interessa aqui saber o quanto esta estória tem de verdade!
O professor de música espantado perante a natural dureza de ouvido e inaptidão da turma para a música defendia uma espécie de proibição do ensino da música para que, a exemplo do que se havia passado com a introdução da batata, o fruto proibido fosse o mais apetecido. E contava a história, sem nomes e o protagonista era o rei, não o biólogo, mas vai dar ao mesmo!
Mas a razão fundamental de aqui reproduzir esta prosa tem a ver com a perspectiva com que o autor fala da batata. Mesmo não gostando dela cozida, o autor não deixa de tecer sobre a batata considerações de apreço.
Apreço!

1 comentário:

Anónimo disse...

muito legal a historia da batata!